Os pés dançam e bêbados loucos não conseguem acertar a solidez grave do chão. Muito vinho, muito som, muito excesso e estamos confiantes de que a noite estará seguro.

Hoje não morrerão curdos nem sunitas nem xiitas nem meninos de rua: glória máxima; pois a vida será maior nas celebrações do que nos sacrifícios e não esperaremos mais nos permitirem acabar as missas para nos lavarmos de nossos pecados.

Luzes novas irão guiar a multidão dos novos crentes e irão pulsar junto ao ritmo grave e consciente da música insana. Da janela do seu quarto todos os noturnos irão gritar uma sonata libertária contra os líderes que guiam o mundo que o sol banha. De noite, poderemos fazer o que quisermos fora da jurisdição americana ou de qualquer (des)governo solar.

Os pés continuam a não encontrar o chão. O resto do corpo quer encontrar algo novo para se perder: sexo ou álcool ou música ou dança para gritar no último momento antes da inconsciência: "estou vivo e foda-se o resto todo!"

Como falar de luz pra cegos

Como pregar Deus pra ateus

Como explicar Einstein pra burros

Como beijar os lábios seus

Como fugir do inevitável

Como deixar a porta aberta

Como evitar pensar em você

Como sorrir para a morte certa

Como misturar água com óleo

Como separar o joio do trigo

Como pintar o preto no branco

Como dormir e acordar contigo

Como estar em dois lugares

Como ser todos e mais algum

Como te odiar todo o dia

Como te amar como nenhum

Todas as coisas completas

Todas as coisas finitas

Todas as mentiras curtas

E verdades de pernas compridas

Minha língua em tua carne muda

Pelo resto de tua vida

O prego e o martelo

O goleiro e o penâlti

A bala e o peito

O carro e o caminhão

O dente e o alicate

O gás e o pulmão

O juiz e o veredicto

O réu e a sentença

O condenado e o corredor

A forca e o alçapão

A agulha e a pele lisa

A pergunta e a resposta não

O soluço e a lágrima

O nó e a garganta

O aperto e o coração

O frio e a espinha

A verdade e o magoar

A má notícia e o consolar

Minha mão e teu rosto

Meu olhar e teu sorriso

Minha boca e teu beijo

Tua pele e meu querer

Todas as coisas que por pouco

Podem ou não acontecer

Sim, você vai sobreviver à próxima catástrofe apocalíptica da humanidade ou ao próximo atropelamento de ônibus. Sua rapidez de evolução junto ao cromossomo X que Deus te deu e o Professor Xavier treinou te tornaram o próximo passo da evolução humana em um colante multicolorido com o qual você lutará contra o mal para preservar a paz o capitalismo o american way of life e os pequenos seres de carbono que não te compreenderão de forma nenhuma. No final do dia você voltará para seu quarto e anônima guardará o uniforme multicolorido e o mundo descansará em paz mais uma noite enquanto você lê um livro ou corta as unhas do pé.

Eu preparei uma dose de veneno para quem interessar possa. Veneno medido e pensado com intenção de assassínio.

Pensei por várias vezes não me entregar ao animalesco instinto da vingança. Não adianta. Eu quero e posso e ninguém vai saber que toda vez que você cruza a rua eu te quero morta.

Ah como vai ser maravilhoso se aquele õnibus te esmagasse. Ou se caísse um avião ou um meteoro de kryptonita na tua cabeça. Ou se uma bala perdida te atravessasse o doce seio.

Você estaria morta e eu poderia chorar uma vez que você vive e levou todas as minhas lágrimas.

Já era tarde quando decidimos tentar retomar o controle. As ruas estavam sitiadas e não havia rota de fuga. Observamos indefesos nossos pesadelos transitarem em duas pernas com sorrisos malignos e onipotentes.

Não demorou muito pra que fatalidades acontecessem. A princípio, não nos importamos muito. Não era conosco. Ganhar na Mega Sena e ser assaltado só acontece com os outros. Mas a mancha chega cada vez mais perto e a sensação de sermos pacientes com senhas para a fila do açougueiro aumenta e aumenta.

O homem moderno irá acordar daqui a algum tempo, pegar sua valise e sua arma e sair para matar ou morrer a caminho do trabalho.